Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista – thiagoaugusto.imc@gmail.com
Em 1973, a telenovela brasileira O Bem-Amado estreou, criação de Dias Gomes, também adaptada para o cinema no filme de mesmo nome em 2010. A trama se passa em Sucupira, cidade fictícia no litoral da Bahia, e tem como protagonista o prefeito Odorico Paraguaçu, um político obtuso e pilantra, cercado por seguidores que se dizem defensores da moral, dos bons costumes e da ordem pública. Entre os personagens, destacam-se as irmãs Cajazeiras: Dorotéia, Dulcinéia e Judicéia. Solteironas, mal-amadas e reprimidas, eram as fofoqueiras de plantão da cidade. Nutriam um amor platônico e exagerado pelo coroné, que mandava e desmandava em Sucupira. Eram fiéis. Jamais criticavam. Abusavam da bajulação, do servilismo, das lisonjas. Um retrato grotesco da devoção cega ao poder.

Saindo da ficção e vindo para o Brasil atual, as Cajazeiras agora caminham entre nós, assumindo rostos variados. O “Messias”, que outrora ocupou o Planalto, agora se encontra acuado por delatores e processos – dos quais tende a acreditar que nada do que foi dito sobre ele é verdade. Mas seus cajazeiros seguem em romaria, negando provas, rechaçando a justiça e jurando sua inocência eterna. Seu filho tenta “levar” o pai na “mala” para os EUA da nova era Trump e esbraveja sua amizade com o presidente americano, num típico servilismo oportunista ou de araque. O dia 8 de janeiro não foi apenas uma “colônia de férias”, foi uma tentativa de golpe, da qual o Senhor Messias tinha conhecimento, mas agora finge ignorar. Seus asseclas não ousam discordar, pois, para eles, o “mito” está acima de qualquer erro. Lembram da pandemia? Para ele, era apenas uma “gripezinha”. Se diz que não errou, então não errou. E qualquer voz que se levante para questionar é rapidamente acusada de traição, perseguida como uma herege em tempos de inquisição política. Do outro lado, temos um presidente que retorna ao poder sob promessas de pacificação e avanço social, mas que enfrenta a realidade cruel da baixa popularidade, da economia claudicante e de um governo que, às vezes, parece preso ao próprio passado. Várias vozes se levantam dentro do partido, mas, ainda assim, ninguém parece escutar nada. Parece até que estamos em um cinema mudo. As esquerdas falam, mas ninguém chega a lugar algum. O atual presidente, eleito de forma democrática (apesar das alegações infundadas de fraude por parte dos derrotados), vê seu prestígio se desgastar. Caso atípico para alguém que já esteve em alta na aprovação popular. A culpa é de quem? Do governo? Do mercado? Do meio ambiente? Dos políticos? Ou a população está simplesmente cansada de tudo e de todos?

As eleições de 2026 batem à porta, e a esquerda se encontra em um limbo, reverberando liquidez e sem propostas sólidas. Fora o chamado efeito Biden: o presidente atual deveria se candidatar, mesmo com o avanço da idade? E quem seria seu sucessor? Ou Lula deseja se tornar um Vargas e “morrer” no cargo (não cometendo suicídio, mas politicamente), buscando uma comoção nacional? E eis que, do lado oposto dos cajazeiros do “mito”, surge um novo grupo de bajuladores: aqueles que se recusam a admitir qualquer falha da administração atual, que silenciam diante de erros políticos, que evitam críticas temendo fortalecer a extrema-direita. O cajazeirismo, afinal, não tem só um dono.
O Odorico de outrora construiu um cemitério e precisou de mortos para justificá-lo. O Odorico moderno não precisou de tanto esforço: seu negacionismo na pandemia garantiu uma pilha de corpos suficiente para assombrar a história. Agora, cercado por delatores e investigações, tenta reescrever sua narrativa, mas segue sustentado por seus devotos, que se agarram à ilusão de um governo perfeito, onde nunca houve corrupção, rachadinha ou milicianos.
O Brasil, antes Sucupira, agora se fragmenta entre diversas Sucupiras rivais. Cajazeiros de diferentes lados brigam entre si, mas compartilham a mesma devoção cega. Enquanto isso, o cidadão comum segue atordoado, percebendo que, no fim, a realidade política brasileira é um eterno roteiro de tragicomédia. A diferença é que, na ficção, ao menos podíamos rir sem sentir que somos as verdadeiras vítimas do enredo. O Brasil de hoje vive o roteiro de uma novela que Dias Gomes não ousaria escrever. O problema é que, na vida real, o final feliz nunca está garantido.