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O CARNAVAL DE MOGI MIRIM EM 1888

Gazeta 14, 15, 16 e 17-84_page-0001

Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista

Em 15 de janeiro de 1888, na “Seção Livre” do jornal mogimiriano “A GAZETA DE MOGY-MIRIM”, anunciavam-se os preparativos do Carnaval. Segundo a coluna:“Convido os srs. subscritos para os festejos do Carnaval a reunirem-se hoje, domingo, às 4h30 da tarde, no salão do Theatro São José, a fim de se deliberar a melhor forma do festejo.” O diretor responsável à época era Bento Alves Lima, cirurgião-dentista e vereador de 1865 a 1868. Começavam-se, então, os preparativos para a famosa festa, que não aportou em Mogi Mirim em 1888; muito pelo contrário, tal festa há muito se saldava e se festejava no município. Atualmente, o Carnaval é comemorado nos sambódromos, trios elétricos, boates e clubes, regado a muita alegria, cores, bebidas, drogas e amor livre. Mas sempre foi assim? Contar-lhes-ei um pouco sobre a preparação, a festa carnavalesca e os costumes da época.

A palavra “Carnaval” pode estar associada não apenas ao evento comemorativo que leva seu nome, mas também a uma folia coletiva, uma farra, um banzé e até mesmo uma desordem. Até a vitória de um campeonato brasileiro pode ser vibrada por uma festança semelhante ao Carnaval que conhecemos. Muitos foram os nomes atribuídos à festa — carnelevarium, caramentran, carnisprivium, carnelavare —, todos, em grande parte, associados à Igreja Católica, como demonstra O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. No passado, durante os quatro dias de Carnaval, as camadas populares se esbaldavam em grandes festejos, pois sabiam que, logo após toda essa folia, estariam penitenciadas à Quaresma, um período em que as festas eram esquecidas e dava-se lugar às penitências, jejuns e à religiosidade. Porém, o Carnaval do século XIX não era Carnaval se não tivesse o Entrudo como forma de divertimento — e, muitas vezes, de humilhação. Tal brincadeira consistia no lançamento de água, pós de todos os tipos, cinzas, líquidos imundos ou perfumes em quem passasse por perto. Durante muito tempo, o Entrudo foi visto como um jogo carnavalesco inofensivo (há quem diga que ele foi um precursor do lança-perfume). No entanto, como registra Luiz Edmundo em Recordações do Rio Antigo, tais brincadeiras, bastante agressivas, incluíam ataques aos passantes, que recebiam sobre suas cabeças ovos, farinha, cabaças de cera cheias de água, sacos de areia e até moringas ou tachos de cobre. Os escravizados estavam à mercê desses ataques e eram proibidos de revidar. Caso o fizessem, eram punidos, uma vez que a sociedade não admitia sua recusa em participar da “brincadeira”. Machado de Assis, em seu conto Um Dia de Entrudo, também descreve essa tradição (do qual indico a leitura). No Carnaval de Mogi Mirim de 1888, não encontrei registros sobre essa prática, mas é provável que ela existisse, ainda que não fosse mencionada no jornal. Obs: Pedro de Mattos menciona a história do entrudo em Mogi Mirim. Contarei-lhes em breve!

“Viva o Carnaval! Alerta, rapaziada!” Quatro dias após o Sr. Bento Lima anunciar os festejos, “A GAZETA DE MOGY-MIRIM” noticiava que o Deus Momo faria uma brilhante festa nas noites de 12, 13 e 14 de fevereiro, prometendo grande pagodeiro e festim. Curiosamente, o Carnaval mogimiriano de 1888 começou cedo: no dia 22 de janeiro, foi anunciado que haveria “um grande bando de espirituosos encamisados, que percorrerão as principais ruas desta cidade, anunciando o esplendoroso pagode. Sublime Zé Pereira, ensaiado a capricho.” E, de fato, na noite do dia 22, uma multidão reuniu-se no Largo do Carmo (onde hoje é o Jardim Velho, em frente à Igreja de N. S. do Carmo), às 8h da noite, e dali partiu percorrendo as ruas do município. Aqui, dois pontos merecem atenção: quem era Zé Pereira? E os escravizados participaram do evento? Zé Pereira, ao que tudo indica, não foi um mogimiriano — talvez nem tenha sido uma pessoa real. Nos livros que consultei do meu acervo pessoal para escrever esta coluna (O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro, História do Carnaval Carioca, O Rio de Janeiro do Meu Tempo, Carnaval: Seis Milênios de História e História das Ruas do Rio), não encontrei referência concreta sobre sua identidade. Alguns historiadores sugerem que o nome veio de José Nogueira, um homem que desfilava pelas ruas do Rio tocando bumbo. Outros afirmam que a expressão nasceu em Portugal, onde grupos de rapazes percorriam as ruas durante o Carnaval tocando tambores. Seja como for, em 1888, Mogi Mirim viu seu próprio “Zé Pereira” animar as ruas, com foliões tocando bumbos e arrastando a multidão. Máscaras para o evento podiam ser compradas na loja do Castro, na Rua Ulhoa Cintra, 17. Lá, anunciava-se a venda de “máscaras de todas as qualidades, cetins, veludos, calças de meia, rendas e até bisnagas.” Sobre os escravizados, nada se menciona. Infelizmente, os registros do Carnaval de fevereiro desapareceram, tornando impossível saber como foram os festejos completos. A última menção ao evento ocorreu em 29 de janeiro, quando o colunista Dr. Lamparina (provavelmente um pseudônimo) conclamou o povo para o dia 2 de fevereiro: “Grande e deslumbrante bando de encamisados percorrerá as principais ruas desta cidade. Aprontem-se, rapaziada e ninfas, que o Carnaval em Mogi, desta vez, vai ser esplêndido e assombroso.” O espetáculo sairia do Theatro São José. Infelizmente, após essa data, nada mais foi encontrado. Como parte do jornal de fevereiro desapareceu, ficou impossível saber como transcorreram os três dias de folia.

A vida de um pesquisador, muitas vezes, é marcada por lacunas. Quando não se encontra o restante de uma história, resta-nos apenas imaginar como teria sido, embora proibidos sejamos de escrever sem provas concretas. Assim, resta-nos seguir pesquisando, na esperança de que, um dia, essas peças faltantes sejam encontradas. Mas, sem dúvida, aquele Carnaval de 1888 deve ter sido memorável. Enquanto isso, fico apenas na imaginação! 

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