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MÁSCARAS, PROIBIÇÕES E FARINHA: O CARNAVAL DE 1900 EM MOGI MIRIM – PARTE II

O malho - entrudo 1927 1

Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista

O ano de 1900 chegou trazendo consigo um Brasil que já não era monárquico nem escravista. Mas continuaria sendo racista (ainda continua), e os interesses políticos permaneceriam acima de qualquer decisão do povo. A família real fora expulsa do país e, há pouco mais de uma década, a República fora proclamada. O novo século se iniciava com promessas de modernização, mas também com costumes que ainda remetiam ao passado. A partir de 1900, o Brasil continuaria sendo o mesmo, afinal, tudo muda para continuar do mesmo jeito. Em Mogi Mirim, a folia carnavalesca ganhava contornos cada vez mais organizados e populares, refletindo tanto a tradição quanto às novas normas impostas pelo regime republicano. Far-se-á aqui um adendo necessário. Este pesquisador gostaria de estudar o Carnaval mogimiriano por volta de todo o século XVIII; contudo, devido ao desaparecimento das fontes (jornais da época), tal pesquisa torna-se impossível e inconclusiva. Essa, de fato, será uma lacuna que deixarei para o tempo e para os futuros “descobrimentos” desses jornais, talvez um dia, em algum lugar abandonado e esquecido. Deixo esse vazio para os pesquisadores do futuro. O Carnaval de 1900 foi marcado por festas animadas, regras inusitadas e até mesmo pela escassez de um item essencial na mesa do brasileiro: a farinha de trigo.

No dia 28 de janeiro de 1900, em uma pequena chamada no jornal “A COMARCA”, o Club 29 convidava seus associados para um “tonteante e animadíssimo” baile, que se realizaria na casa nº 7, à Rua Joaquim Firmino. Tal evento, segundo o jornal, destinava-se a comemorar o aniversário do clube. Curiosamente, a chamada trazia o título “CLUB CARNAVALESCO”. Como escrever sobre fatos que não se viveu requer, por vezes, interpretações que extrapolam o óbvio, torna-se necessário compreender que, com essa chamada, tornava-se evidente que, a partir dessa festa, iniciavam-se os preparativos do que seria, em breve, o Carnaval de 1900. Aqui, faço outro adendo: o pesquisador tem o dever de interpretar aquilo que, de fato, existe; ele não pode, de maneira alguma, criar fatos que nunca ocorreram. Uma vez feito isso, ele deixaria de cumprir o papel de narrador da verdade para contar apenas os devaneios de sua imaginação, portanto o mesmo criaria um surrealismo inexistente. Algo comum em alguns livros sobre a história deste município. O epicentro das festividades era o Club 29, o mais prestigiado da cidade na virada do século. Era nele que as famílias tradicionais se reuniam para os bailes, regados a música e dança, enquanto nas ruas o povo improvisava suas próprias festas. O mais famoso clube da cidade, o Clube Recreativo, ainda não existia – sua fundação só ocorreria em 1909. No entanto, a cidade já demonstrava grande apreço pelo entrudo e pelas festividades populares, que, aos poucos, iam se consolidando em uma celebração mais refinada e próxima do modelo europeu de Carnaval. No dia 15 de fevereiro, o Club 29 anunciava as festas que ocorreriam no Theatro São José e afirmava aos leitores que “preparam-se os foliões para fazer um pomposo festejo ao Deus Momo”.

As máscaras, símbolo da transgressão e do anonimato na festa, não eram de uso livre. Quem desejasse se fantasiar precisava ir até a delegacia e se cadastrar para obter uma permissão formal. No chamado Código de Posturas, estabelecia-se o que cada munícipe podia ou não fazer; o código era uma forma de garantir que todos mantivessem um comportamento dentro dos padrões aceitáveis. No dia 25 de fevereiro de 1900, na página 2 do jornal “A COMARCA”, o leitor encontrava, na seção “DA POLÍCIA”, o seguinte informe: “As pessoas que pretendam fantasiar-se para os festejos carnavalescos devem ler os editais públicos pela polícia, presentes no jornal”. Havia um rigor considerável na fiscalização, pois, segundo o delegado de polícia, Major Cláudio Honório dos Santos, estavam proibidas máscaras indecentes, alegorias ofensivas a civis e militares, bem como qualquer manifestação que desrespeitasse religiões. Os que fossem encontrados fora da lei “serão recolhidos à polícia para mudarem de traje, além das penas em que possam incorrer pela legislação em vigor”. Apenas José Laurindo de Campos foi preso, segundo consta. Sua prisão foi classificada como “desordeira”. O Carnaval, apesar de ser um período de festa e inversão momentânea da ordem, precisava respeitar os limites da moralidade e da hierarquia social vigentes na época. Durante a pesquisa para essa série sobre o Carnaval, um fato curioso foi encontrado. Em todos os carnavais realizados até 1930, choveu neste município. Isso, no entanto, jamais impediu a realização da festa. Foi o que “Bregueiro”, colunista que descreveu minuciosamente as festividades, afirmou: “As chuvas que caíram nos dias de domingo e segunda não deram lugar a que fosse festejado o Deus Momo. Na terça, choveu ainda até às 2h da tarde. Melhorando o tempo, começou o jogo de confetes, serpentinas e bisnagas, finalizando só às 10h da noite”. Na Rua José Bonifácio e em toda a Praça da República, os delírios carnavalescos foram imensos. Os chamados “Você me conhece”, que eram os mascarados, faziam a festa e atiçavam a curiosidade dos passantes. Foi também nesse Carnaval que o Theatro São José anunciou a realização de festas dançantes. Os famosos bailes eram organizados pela elite mogimiriana; não pense o caro leitor que todos podiam entrar e dançar. De forma alguma. O Carnaval da maioria da população acontecia na rua, enquanto os clubes reservavam seus espaços para a elite. A estes, cabia a grande pompa e festas longe do povo, do suor e das roupas molhadas pelas chuvas que, por anos, marcaram o Carnaval deste município. A elite mogimiriana desprezava o “Zé-povo”, e isso perdurou por anos. A história muda para continuar a mesma coisa, apenas altera-se o retrovisor do tempo.

Porém, o grande destaque daquele Carnaval foi o uso da farinha de trigo nas brincadeiras de rua. Em meio às batalhas de confetes e serpentinas, surgiu a moda de jogar farinha nos foliões, cobrindo-os de branco em uma espécie de batismo carnavalesco improvisado. Esse tipo de brincadeira encaixa-se no chamado “entrudo”, que perpetuou-se por muitos anos no Carnaval desta cidade. O problema é que a empolgação foi tamanha que os estoques da cidade se esgotaram. Quando a Quarta-feira de Cinzas chegou, muitos padeiros locais se viram sem matéria-prima para fabricar o pão, causando transtorno para os comerciantes. O Carnaval de 1900 encerrava-se com a alegria da festa e a falta de pão. Pelo menos aqui não tivemos uma Maria Antonieta, que, ao ser questionada sobre a falta de pão, teria respondido: “Qu’ils mangent de la brioche”. Lá, teve-se uma guilhotina. Aqui, apenas um dia sem pão. Por fim, far-se-á necessário esclarecer um ponto. Inicialmente, este pesquisador afirmou que escreveria sobre os primeiros 30 anos da história do Carnaval em Mogi Mirim; no entanto, optou-se por contar, primeiramente, a história dos primeiros 20 anos. Sem mais explicações, falarei do Carnaval de 1900 a 1920, período repleto de boas histórias. Au revoir…

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