Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista
Nem sempre o silêncio é sinônimo de paz.Às vezes, ele apenas esconde um carnaval tímido, abafado por paus de sebo, lança-perfumes e notas breves em jornais. Até aqui, percebe-se que o Carnaval teve idas e vindas, altos e baixos. Houve anos repletos de festas e multidões; em outros, a folia foi considerada murcha e sem muita animação. Claro que, em meio a tudo isso, não faltou a chuva — que, digo-lhe, caro leitor, parece ter se tornado tradição nos dias de Carnaval desta cidade, prolongando-se por anos e anos. E foi assim nos longínquos 1905 e 1906, quando o Carnaval de Mogi Mirim ganhou manchetes — sem escândalos e brigas, veja bem. O Carnaval desses anos começou a migrar para os bairros. Não que os desfiles tenham desaparecido do centro — muito pelo contrário. O povo passou a festejar em dobro: no centro e nos bairros Fundinhos (zona oeste, lado da Santa Cruz), Borges (zona oeste) e Bocaina (zona oeste).
Assim noticiou o jornal A Comarca, em 16 de fevereiro de 1905 e em 22 de fevereiro de 1906. Em 1905, o Carnaval nos bairros foi repleto de “pau de sebo, triângulo com alguns prêmios e outras diversões”. O pau de sebo, para os mais jovens ou menos familiarizados, era uma brincadeira popular: um pedaço de madeira era lixado e coberto com sebo e outros materiais escorregadios. Quem conseguisse subir até o topo do mastro, ganhava um prêmio. A cena se repetiu em 1906. Foi, aliás, a primeira vez que encontrei menção ao pau de sebo em períodos de Carnaval na cidade — até então, nenhum vestígio da prática nesse contexto. Nos salões improvisados dos bairros, o Carnaval era uma festa feita no braço — com suor, riso e pó de arroz barato. É perceptível que o povo dividia o Carnaval entre três polos: os bairros populares, o centro da cidade e os bailes frequentados pela elite mogimiriana. No centro, a vitrine da cidade brilhava. A Casa Cardona, como sempre, não decepcionava: máscaras, serpentinas, perfumes — tudo para quem desejasse esconder-se atrás de uma fantasia, ou, quem sabe, apenas de um bigode postiço. Havia também a Casa Barateira de Abdalla Baracat e Filho, na Rua Ulhoa Cintra, 126, esquina com a Travessa do Carmo, que anunciava sortimentos variados. E a Casa Badan, na Rua José Bonifácio, 90 — essa sim digna de nota — oferecendo joias, anéis e peças de prata. Uma loja com mais brilho que a própria festa.


Após os confetes e os bailes, a realidade batia à porta — tossindo. O clima de fevereiro, úmido e festivo, trazia consigo sua comitiva de doenças respiratórias. Mas nada que o Elixir de Mastruço não prometesse curar. O remédio, encontrado na já mencionada Casa Badan, era vendido como solução milagrosa para os estragos da folia. Aliás, como diria a publicidade da época: “Se a folia lhe deu tosse, o Mastruço resolve.” Seria cômico, se não fosse… publicitário. Em 1906, repetiu-se a cena: os Fundinhos foram, mais uma vez, palco do carnaval popular. E, entre becos e vielas, a resistência da alegria comunitária se impunha. Mas algo mudou. No dia 1º de março, A Comarca ousou admitir: “O carnaval esteve animado.” Houve jogo de entrudo, bisnagas, lança-perfume e um número razoável de foliões. Nada se falou, contudo, do pau de sebo. Teria sido abandonado? Ou a humilhação de escalar um mastro escorregadio foi grande demais para se repetir? Mistério carnavalesco. As máscaras, por sua vez, estavam escassas. Talvez por economia, talvez por pura vontade de se mostrar — ou por falta de tempo para se esconder. Quem de fato roubou a cena, como sempre, foi a quadra da Pharmacia do Chagas, que estava “enfeitada” e animada pela banda União dos Operários durante a tarde. Se ambos os carnavais não estavam lá muito animados — quiçá por motivos que desconheço —, o comércio, esse sim, não parava. O senhor Paulo Giraldo, segundo anúncio em A Comarca, vendia calçados na Rua 15 de Novembro. Afinal, no Carnaval era preciso marchar — ainda que com pouca animação e muita exigência de sola.
Os foliões, com poucos adereços e nenhum outro destaque registrado pelo jornal, mantinham vivo, mesmo que tímido, o espírito carnavalesco. Porque, no fim das contas, Carnaval não se mede por manchetes, mas por paus de sebo, serpentinas, jogo do entrudo e risadas — essas, infelizmente, nunca documentadas com afinco por um cronista mogimiriano da época. Enquanto isso, fico a imaginar como seriam essas festas contadas por um cronista que as viu — e não fez uso das palavras para descrevê-las.