Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista
Se em 1903 o Carnaval mogimiriano já havia sido molhado pelas águas generosas de fevereiro, em 1904 a tradição continuou: o jornal local anunciava que há dois meses chovia incessantemente, ruindo muros, afundando taipas e desanimando até o mais entusiasmado dos foliões. Segundo matéria do jornal A COMARCA, de 11 de fevereiro de 1904, essas chuvas além de prejudicar o já mencionado carnaval, muros e demais, também prejudicou “a lavoura” que segundo o mesmo “tem sido prejudicada”. Porém, entre lamas e barros, foi dado início segundo o jornal no Club 29 e no Theatro São José o início oficial às festividades. Foi nos chãos de ambos os lugares que o suor fez o chão molhar, enquanto do lado de fora era São Pedro que molhada não o salão, não as casas, e sim o município todo.
A Casa Cardona, como sempre, estava preparada para o Carnaval: vendia máscaras, serpentinas, perfumes, pós e tudo o mais que pudesse compor um disfarce respeitável e segundo a mesma “a preços baixos”. Outra loja que muito provavelmente enfeitou e modelou uma parcela da população, foi a Relojoaria e Ourivesaria Dattoli (Sim, Dattoli e não Davoli), localizada na Rua: José Bonifácio – ali a população encontraria, segundo a propaganda divulgada no jornal A COMARCA, itens como – joia, relógios e “objetos de fantasia”. Pagamento somente à vista. Supondo-se que a maioria da freguesia fosse da alta sociedade mogimiriana. Fantasiar-se-ia com gosto, elegância, quem por ali passasse. Pena não poder se teletransportar para imaginar essa corrida em tempos carnavalescos. Como seria a vitrine da loja, por dentro, os tapetes e até mesmo, se tocava música enquanto o cliente experimentava tal joia. Infelizmente e como dever de ofício, não encontrei nada que fosse mencionável a respeito do interior de tal loja. Poderia criar uma ilusão de como seria, porém, eu estaria destruindo o passado do que não se falou e do que não vi e criando no presente algo que não vi e cheio e eivado de surrealismo, dadaísmos, invencionices e mentiras. Mas o espírito carnavalesco, parece, não andava em alta. A nota do dia 18 de fevereiro foi direta: “Pouca animação teve o carnaval nesta cidade, pequeno número de pessoas fantasiadas percorreram as ruas nos 3 dias”.


O carnaval de 1904 repetiria o de 1903, com um clima de festa murcha, solene, sonolenta e quase protocolar. Porém, contudo, todavia a Praça da República e a Rua José Bonifácio, presenciaram o jogo de entrudo, o jogo de confete e a apresentação das bandas União dos Operários e Euterpe. Percebe-se que mesmo em clima abatido e mirrado uma pequena parcela da população mogimiriana e que gostava dos festejos, fez barulho, ouviu, cantou, fantasiou-se e viu, mais uma vez a chuva “tentar” estragar o Carnaval Mogimiriano. Tal chuva, se perpetuou por muitos e muitos outros carnavais. A chuva era uma velha conhecida, quase um personagem do Carnaval, e já não espantava tanto. Divertir-se-ia quem quisesse, apesar da água nos bolsos.

Não há registros de escândalos, nem de brigas, o que para os padrões da época já era uma espécie de milagre laico. O povo, mesmo desanimado, saía às ruas como podia: um rosto pintado aqui, um chapéu colorido ali. E ao fim da festa, como um ritual sagrado e civilizado, os mogimirianos buscavam consolo e doçura na Confeitaria Mogiana, ali na mesma Rua José Bonifácio, número 94. O que degustavam? O que bebiam? Eis o teor de muita curiosidade. Um suspiro, uma bala de coco ou somente um café forte? Mais um carnaval encerrava-se, mesmo que na lama, no barro – mas não apagado. São Pedro, como modamente se diz o Santo das chuvas, abriu, novamente, as portas da cachoeira do céu, o povo, mesmo assim, decidiu que com chuva ou sem chuva, a ordem de evacuação ficou apenas para o santíssimo. Com ou sem aspas, o povo gritou até o dia 25 de fevereiro, quando no último domingo a banda União dos Operários, no coreto do Jardim Público, gritou suas marchinhas. Afinal “Não se perca de mim/ Não se esqueça de mim/ Não desapareça/ Que a chuva tá caindo/ Não saia do meu lado/ E vamos embolar ladeira abaixo”. Assim o povo embolou, não ao som de Caetano Veloso, mas ao som de Severiano Patrício da Luz, da banda União.