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A VERGONHA DE UM ATRASO: UM BUSTO DE JOAQUIM FIRMINO 136 ANOS DEPOIS

Joaquim_Firmino_de_Araújo_Cunha

Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista

Primeiramente, e de antemão, não farei nenhuma análise biográfica ou perfil de Joaquim Firmino, até mesmo porque ele foi amplamente discutido e biografado nos últimos anos, principalmente pelo pesquisador Eric Apolinário (O Crime da Penha: Carnaval de Brutalidade). Portanto, quero deixar claro desde o início que esse posicionamento é o do pesquisador que aqui escreve esta coluna. Além disso, esta não era para ser uma coluna sobre Joaquim, mas sim uma reflexão que já deveria ter sido escrita há muitos anos. O fato de estar escrevendo sobre o tema hoje é um reflexo da negligência, displicência, desprezo e indolência de agentes públicos representativos do legislativo. Existem figuras que transcendem o tempo e se tornam ícones não apenas de uma causa, mas de um compromisso coletivo com a justiça, especialmente com as questões sociais. Elas se erguem frente a um sistema massacrante, cruel, terrível e desumano, como foi à escravidão. E mais do que isso, representam a justiça e o dever para com aqueles que lutaram pelo fim dessa infâmia e desse aviltamento. Joaquim Firmino de Araújo Cunha é uma dessas figuras. Mogimiriano, abolicionista, delegado e fervoroso defensor dos direitos humanos dos escravos (é importante lembrar que, à época, os escravizados não tinham direitos, sendo necessários indivíduos como Joaquim para lutar e garantir-lhes esses direitos). Ser abolicionista no Brasil era um risco enorme. Alguns, infelizmente, pagaram com a vida; Joaquim foi um deles, morto de forma brutal. Ele faleceu em 11 de fevereiro de 1888, e alguns jornais afirmam que sua morte, tamanha a crueldade, chegou aos ouvidos da Princesa Isabel, o que teria influenciado na assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.

Após sua morte, João Mendes Júnior relatou a saga dos mogimirianos para resgatar seu corpo e enterrá-lo na Igreja do Rosário. Joaquim Firmino foi abraçado pelo seu povo naquele momento, como um herói, como um mártir, e enterrado sob uma vaia imensa de pessoas. No entanto, tempos depois, esse mesmo abraço de seu povo foi esquecido, jogado no maior ostracismo. Joaquim Firmino foi apagado da nossa história. Agora, 136 anos depois, Mogi Mirim finalmente erguera um busto em sua homenagem, em frente à Câmara dos Vereadores. A pergunta que fica é: por que demorou tanto? A celebração de um busto para Joaquim Firmino, embora louvável, soa como um reconhecimento tardio e quase constrangedor. Estamos falando de 136 anos depois. Muitos, e disso eu não tenho dúvida, dirão: “Ah, mesmo tardiamente, estamos fazendo a devida homenagem!”. Para esses, incluindo vereadores, eu perguntaria: qual é o valor de uma homenagem póstuma quando levamos mais de um século para realizá-la? Será que até agora sua contribuição foi ignorada ou minimizada? E o que dizer dos vereadores e autoridades que vieram antes? Por que não se esforçaram para garantir que um dos maiores defensores da liberdade em nossa cidade fosse devidamente lembrado? Sei que muitos vereadores teriam dificuldades em responder a essas perguntas, e a maioria dos atuais, então, são bem monossilábicos. Não digo que isso é bom, mas em alguns casos, é até bem-vindo.

A lentidão histórica de Mogi Mirim em reconhecer seu próprio herói nos leva a um questionamento que não pode ser silenciado: estamos realmente honrando aqueles que lutaram por justiça, ou apenas estamos recorrendo a homenagens tardias para cumprir um protocolo? Esse busto, que agora se ergue na porta do poder legislativo, é um símbolo necessário, mas também um lembrete constrangedor. Precisamos esperar 136 anos para valorizar alguém cuja coragem moldou nossa história? Caros leitores, reconheço que essa reflexão já é até repetitiva. Contudo, o constrangimento é ainda maior ao perceber que Francisco Cardona, que não era mogimiriano, já tem um busto em nossa cidade há muitos anos. Nenhuma crítica ao grande Cardona, muito pelo contrário, ele ficará eternamente estampado em nossa história. O que quero destacar é que o busto de Cardona não precisou de 136 anos para ser colocado em praça pública, mas o de Joaquim Firmino sim. Quem é o verdadeiro herói aqui? O busto de Joaquim Firmino, que será colocado em frente à Câmara dos Vereadores no dia 20 de novembro, é, sim, bem-vindo e necessário. Mas que ele não seja apenas um ornamento. Que seja um lembrete permanente de que respeitar e honrar o passado exige responsabilidade, compromisso e ação no presente! Agora, resta aos vereadores atuais e às futuras gerações resgatar essa memória com algo além do gesto simbólico. Joaquim Firmino merece ser lembrado com ações concretas que representem os valores que ele defendia. Será que teremos políticas que promovam igualdade e justiça social, as mesmas causas pelas quais ele lutou? Ou essa homenagem será apenas um ato isolado, um protocolo histórico sem consequências no presente?

O tema Joaquim Firmino deveria ser falado em todas as escolas do município. A geração que está em nossas escolas deveria sair sabendo quem foi Joaquim Firmino. Percebo que não há interesse da Secretaria de Educação, Cultura, nem do Legislativo e Executivo em expandir o nome deste mogimiriano. Os vereadores atuais e os da próxima legislatura, ao menos, têm agora a chance de redimir o passado. Vocês têm a chance de corrigir os erros de quem nada fez antes. Mas esse gesto será seguido de ações concretas que mantenham vivo o espírito de luta e os valores que Joaquim Firmino representava? A cidade não precisa apenas de um busto; ela precisa de um compromisso contínuo para honrar o legado de Joaquim, para que sua luta seja uma presença viva na Câmara e na sociedade mogimiriana. Senhor Secretário de Educação, Cultura, Senhor Prefeito, Senhores Vereadores, peço-lhes que este busto não seja apenas mais um símbolo. Vocês têm agora a chance de transformar o presente e o futuro das gerações que virão. Vocês podem inscrever seus nomes como responsáveis por “ressuscitar” o nome de Joaquim Firmino. Podem expandir o nome dele para todos os cantos e recantos deste município, começando pelas escolas e até mesmo na cultura (teatros, peças, rodas de debate, leituras e incentivo à pesquisa sobre Joaquim Firmino). Não deixem que o busto seja apenas um objeto sem vida. Se isso acontecer, continuarão negligenciando Joaquim Firmino, a história e o município.

Neste ato, tardio e simbólico, vemos um reflexo dos nossos desafios históricos e da falta de iniciativas dos representantes do passado. Contudo, neste dia 20 de novembro de 2024, não encontraremos presentes João Mendes Júnior, Pedro de Mattos, Duílio de Próspero, Antenor Ribeiro, Jonas Camargo, Washington Prado, Odilon da Costa Manso, Orlando Bronzatto e Sérgio Romanello Campos. Esses, sim, escreveram, pesquisaram e comentaram não só sobre Joaquim Firmino, mas sobre toda a nossa história. Onde quer que estejam, devem estar orgulhosos, mesmo com tanto atraso, com o reconhecimento e justa homenagem a Joaquim Firmino. Saudaram com uma salva de palmas em outro plano! Honrar Joaquim Firmino é, acima de tudo, um convite a todos para uma reflexão profunda: respeitar o legado dos nossos heróis exige mais do que bronze ou pedra; exige mudança real e um compromisso genuíno com os valores que defenderam. Joaquim Firmino, 136 anos depois, finalmente se faz presente. E que sua presença agora seja um convite à mudança. A bênção, Joaquim Firmino de Araújo Cunha! 

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