Por Thiago Henrique – pesquisador, historiador e colunista
A recente decisão da Câmara dos Vereadores de Mogi Mirim de alterar o horário de suas sessões ordinárias, antecipando-as das 18h para às 17h, ecoa uma polêmica semelhante à registrada em 1948. Na sessão de 31 de maio daquele ano, o nobre vereador Antônio Franco Júnior (UDN) adentrou o plenário da Câmara e, com muita satisfação, deparou-se com “uma grande assistência (pessoas)”, ocupando os assentos destinados ao povo. Segundo declarou no dia seguinte, em 1º de junho de 1948, na Rádio Vitória: “Fiquei por alguns minutos a mirar aquela grandiosidade”, pois, “daquela data em diante poderiam assistir aos nossos trabalhos”. Aqui e agora, faz-se a devida hermenêutica do ocorrido naquela sessão e, claro, jus ao título desta coluna. As sessões plenárias da Câmara dos Vereadores, até então, ocorriam durante o dia. Não existia legislação obrigando que todas as Câmaras tivessem um horário específico; cada uma legislava conforme seus interesses. Mais do que isso, caro leitor, até 1977 os vereadores não eram remunerados pelo cargo. Nessas sessões diurnas, percebe-se que havia uma clara dificuldade para a presença do povo de acompanhar os trabalhos de seus representantes eleitos. Impossível imaginar como se dava a composição desse público, se é que existia algum. Embora tenha tentado localizar algo no jornal A Comarca sobre o tema, nada encontrei. Sessões diurnas são formas de afastar o povo, de tomar decisões sem consulta popular, eivadas de uma desculpabilidade que beneficia a administração pública em detrimento da participação cidadã. E os trabalhadores? As mães que precisam buscar seus filhos? Os que dependem de ônibus para chegar em casa? Existe razoabilidade em tais escolhas? Até então, as sessões aconteciam durante o dia (sim, repetitivo, propositalmente), o que excluía grande parte dos trabalhadores impossibilitados de comparecer devido a seus compromissos laborais.

A proposta de torná-las noturnas, apresentada em 1948 por requerimento com 13 assinaturas, foi uma iniciativa do vereador Antônio Franco Júnior, que declarou que “visava dar oportunidade ao povo trabalhador e honrado de minha terra, de acompanhar os trabalhos de seus legítimos representantes”. À primeira vista, a mudança representou um avanço democrático, buscando aproximar os cidadãos do trabalho legislativo e permitindo que trabalhadores, até então excluídos do processo, pudessem participar e fiscalizar seus representantes. Essa alteração, longe de ser apenas logística, simbolizava o reconhecimento do direito à cidadania plena em uma época em que os valores democráticos ainda se consolidavam no Brasil do pós-guerra. Contudo, durante a sessão que deliberou a mudança, dois vereadores, Sr. Flávio Leitão e Sr. Alcindo Barbosa, levantaram-se contra a decisão. É difícil imaginar o que motivava tal resistência, mas Antônio Franco não hesitou em afirmar que esses vereadores “não desejavam ver o povo naquela casa, para assim se sentirem à vontade”. Alegavam irregularidades na alteração do horário das sessões. Prejudicar a quem e por quê? Em meio às discussões, Antônio Franco acusou seus pares de adotarem práticas que iam contra o interesse do povo, como aprovar aumentos de taxas e impostos sem transparência. Segundo ele, essas práticas feriam a Constituição Federal. As discussões acirraram-se a ponto de envolver questões pessoais e familiares. O vereador Dr. José de Abreu Prado, por exemplo, foi acusado de usar seu cargo para nomear parentes e que não mediria esforços na nomeação de um cargo para seu sogro, em uma época em que o nepotismo não era proibido. Essa prática, tão comum no coronelismo – como bem documentado no clássico Coronelismo: enxada e voto –, era defendida publicamente e sem escrúpulos.
Quase oito décadas depois, a decisão de antecipar o horário das sessões levanta questionamentos semelhantes. Embora a justificativa envolva economia de recursos e conveniência administrativa, é preciso saber se houve uma preocupação genuína com os interesses da população. Em uma cidade onde muitos trabalham até as 18h ou além, a medida pode restringir a participação popular e dificultar o acompanhamento dos trabalhos legislativos. Não se questiona aqui a legitimidade da decisão dos vereadores, mas sim a razoabilidade de uma medida que pode comprometer a participação cidadã. A história de 1948 nos lembra que o horário das sessões não é uma mera questão técnica, mas uma escolha que revela a quem o poder legislativo deseja servir. Vale lembrar que, em 1974, as sessões passaram a ocorrer às 20h para atender às necessidades dos vereadores, que, sem remuneração pelo cargo, precisavam trabalhar até tarde. Curiosamente, segundo relatos de Valter Polettini, alguns vereadores chegavam atrasados às sessões porque esperavam o término das novelas. Ao retroceder para um horário que pode excluir parte significativa da população, os vereadores colocam em xeque um princípio básico da democracia: a participação cidadã. Resta agora acompanhar os desdobramentos dessa decisão e observar se ela cumprir-se-á a promessa de aproximar ou afastar o povo da casa que deveria representá-lo.