Eu não nasci no tempo de Maysa Matarazzo, mas Mogi Mirim nasceu, viveu, ouviu e não a viu em seus palcos. Não escutei sua voz ecoando pelas rádios, tampouco vi seus olhos marcados pela melancolia na televisão em preto e branco. Aliás, a melancolia e o drama eram a essência de Maysa. Era 6 de junho de 1936, o dia do nascimento dessa estrela. Eu, por outro lado, cheguei ao mundo 55 anos depois, quando Maysa já havia deixado os palcos da vida, há 11 anos. Dizem que nasci com alma velha, sem nenhum desejo de ouvir os musicais do meu tempo — que, aliás, nem existem! Talvez, naquela época, as pessoas se deixassem levar mais pelas emoções, como as que ela transmitia em cada canção, em cada palavra sussurrada, com um misto de dor e uma paixão exacerbada. As músicas daquela era falavam com a alma; as atuais, por outro lado, dizem tolices sem sentido. A voz de Maysa não era a única que transbordava emoção. Esse sentimento, junto ao verdadeiro tom musical, ecoava também nas vozes de Angela Maria, Antonio Maria, Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Doris Monteiro, Elizeth Cardoso, Nora Ney, Sylvia Telles, entre tantas outras vozes que foram apagadas das páginas musicais. E no meu tempo, o que se ouve? MC Pipokinha. Que tragédia, que lástima, que podridão!
Descobri Maysa através da série da Rede Globo sobre sua vida e, logo depois, redescobri sua história na biografia “Só numa multidão de amores: Maysa”, escrita por Lira Neto. Fui mergulhando no encanto, na fossa musical, na dor de cotovelo e no drama que ecoava de sua voz. Durante a leitura, passei a ouvir praticamente todas as suas músicas. Mergulhei no mundo de Maysa e, em tempos atuais, comecei a me perguntar: Maysa esteve em Mogi Mirim? Ao invés de pesquisar, preferi perguntar aos amigos, conhecidos e àqueles que viveram nos tempos de Maysa. Descobri, então, que ela nunca pisou em Mogi Mirim, muito menos nos palcos do Grêmio Mogimiriano, do Clube Recreativo, do Cine São José ou mesmo no coreto da Praça Rui Barbosa. Foi nessa praça, aliás, que em 1953 o cantor João Dias fez tremer o chão do coreto, diante de uma multidão de mogimirianos. Ou ainda quando Mogi Mirim recebeu Vicente Celestino na década de 50, no picadeiro de um circo armado no campinho da Beleca, na Rua João Theodoro.
Em uma época onde tudo parece rápido demais e os sentimentos, muitas vezes, superficiais, lembro-me de que, naquele tempo, as músicas se encontravam de uma maneira diferente. Em Mogi Mirim, os clubes mencionados receberam grandes músicos, cantoras e conjuntos musicais que transformaram a vida social e cultural do município, marcando também presença nas manchetes dos jornais e nas famosas colunas sociais da época.Quando, durante a leitura sobre Maysa, ouvi sua voz pela primeira vez, foi como se o tempo parasse e eu me transportasse para aquela época. Maysa não tinha uma voz comum. Suas canções eram um desabafo, uma confissão, uma intimidade compartilhada com todos. Em cada palavra, em cada tom, havia uma história. E eu me peguei imaginando como seria estar lá, não só no tempo dela, mas no de todos e todas, vivendo a intensidade dos anos de ouro do samba-canção.O que me resta é analisar as páginas amareladas de uma vida cultural, musical e social que não existe mais. Mogi Mirim pode não ter conhecido Maysa Matarazzo pessoalmente, mas ouviu, dançou e se emocionou com suas letras e sua voz. Por outro lado, Mogi Mirim abriu as portas para outros grandes artistas. Em 1951, Silvio Caldas cantou no Cine São José. Carlos Galhardo se hospedou no Hotel Municipal. Em 1955, tivemos o Baile Show com Vera Lúcia, Rainha do Rádio; em 1966, Paulinho Nogueira cantou bossa nova; em 1970, a banda Três do Rio; também em 1970, Caçulinha; em 1971, Elis Regina e Agnaldo Rayol; em 1975, o Conjunto Musical Super Kings e Rita Lee; em 1976, o Baile da Saudade com Francisco Petrônio; em 1977, Eduardo Araújo e o Conjunto Musical Placa Luminosa.
Enfim, Mogi Mirim abriu as portas não só para os artistas mencionados. Eu poderia preencher parágrafos e mais parágrafos falando de tantos outros. Talvez um dia, quem sabe, eu o faça. Como não tenho o poder de voltar no tempo, contento-me em viver para o passado e escrever sobre ele. Contento-me em ouvir aquilo que, para muitos, é considerado uma grande breguice. Nasci para escrever sobre o passado, aquele que não vi em preto e branco.E, por fim, deixo Maysa falar por mim: “Vou me perder / vou me beber pela cidade. / Até um dia / até talvez / até quem sabe?” (Maysa, música Até quem sabe?1974). Até mais… vou ouvir Maysa!